Uma Fazenda, uns Fazendeiros e uma Lavoura

Há muito tempo e vindo de uma terra distante, foi descoberto um enorme pedaço de terra que se transformou em uma grande Fazenda.

Aquela Fazenda era tão grande que nela se estabeleceu um certo número de Fazendeiros e várias pequenas lavouras.

Conceitualmente, as lavouras são formadas apenas por plantas cultivadas: porém, para uma melhor compreensão, vamos estabelecer que as lavouras são formadas pelas plantas cultivadas, plantas nativas, animais e ferramentas nelas utilizadas.

Com o passar dos anos, surgiram naquela Fazenda inúmeras outras plantas não nativas: café, milho, arroz, cana e muitas outras que, com animais e ferramentas, formaram uma só lavoura e aumentaram em tamanho sem que, porém, houvesse distinção ou regras de convivência entre aqueles componentes da Fazenda.

Milhares e milhares de plantas, diferentes animais e ferramentas proporcionavam o florescimento dos frutos tão necessários para o enriquecimento da Fazenda.

Entretanto, na lavoura daquela Fazenda não havia apenas ferramentas, plantas ou animais sadios: misturadas a esse aparato, surgiram ervas daninhas e pragas que muito prejudicavam o desenvolvimento e, até mesmo, matavam os componentes benéficos para o crescimento e enriquecimento da Fazenda.

Essas pragas e ervas daninhas floresciam, se misturavam às plantas, ferramentas e animais sadios e ficavam camufladas ou anônimas; muitas vezes, eram identificadas apenas após fazerem algum mal à lavoura.

Apesar disso, a lavoura continuava sem uma política para protegê-la daqueles animais e plantas perniciosas e, muito menos, de alguém que fosse o responsável para isso.

Depois de muito pensar, os Fazendeiros perceberam que a Fazenda precisava de regras para proteger a lavoura e de um grupo específico para cuidar e controlar as pragas e as ervas daninhas que já infestavam as plantações e causavam prejuízos à produção.

Esse grupo, segundo pensaram os Fazendeiros, deveria ser pinçado da própria lavoura, ou seja, dos seus componentes que a fazem florescer.

Assim, foram recrutados animais, ferramentas e plantas para serem preparados e treinados para lidar com as pragas e ervas daninhas.

Para essa preparação, o grupo precisou identificar as pragas e as ervas daninhas, conhecê-las e o mal que causavam aos demais membros da lavoura.

Conhecer as pragas e as ervas daninhas significava também identificar os seus diferentes tipos camuflados em meio aos pés de café ou de milho, por exemplo, como nasciam ou germinavam, os seus efeitos negativos para as plantações e, principalmente, como reagiam às técnicas de controle que o grupo aprendera.

Os Fazendeiros criaram o grupo, mas, paralelamente, estabeleceram um código com um conjunto de regras para esse controle.

Esse conjunto de regras, em suma, estabelecia que as pragas e as ervas daninhas não poderiam ser pulverizadas ou capinadas; os defensivos, as enxadas e similares somente entrariam em ação em situações excepcionalíssimas.

Também estabeleceram que as pragas e as ervas daninhas seriam retiradas da lavoura e realocadas em um outro determinado local da Fazenda.

Nesse outro local, as pragas e as ervas daninhas receberiam a devida irrigação, adubos/alimentos e, assim como as plantas, animais e ferramentas produtivas, teriam acompanhamento de zootécnicos, técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos de modo que não tivessem comprometida a sua sobrevivência.

Definido o “modus operandi”, o grupo pôs-se a trabalhar na missão para a qual fora criado pelos Fazendeiros.

Os animais, as ferramentas, os maquinários e as plantas selecionadas e preparadas para compor aquele grupo trabalhavam exaustivamente para cumprir a missão.

O passar do tempo mostrou que existia uma variedade de tipos de pragas e de ervas daninhas, algumas delas muito perigosas, não somente para a lavoura de um modo geral, mas também e particularmente para aqueles que tinham o dever de retirá-las das plantações.

Esse grupo usava as técnicas necessárias para a retirada daquilo que tanto mal causava à lavoura e, após retirá-las, às entregava aos responsáveis para fazê-las chegar ao local determinado pelos Fazendeiros onde seriam mantidas e, é preciso registrar, por um determinado período, às vezes breve e, outras vezes, por um pouco mais de tempo.

Nessa tentativa de retirar aquelas pragas ou ervas daninhas mais perigosas, de vez em quando, algum membro do grupo era ferido por elas resultando em óbito ou em sequelas irreversíveis.

Mas, o fato é que, cumprido o período determinado pelas regras dos Fazendeiros, as pragas e as ervas daninhas eram novamente colocadas na lavoura, mesmo aquelas que deliberadamente asfixiavam outras plantas, outras que corroíam as ferramentas para destruí-las ou, até mesmo, aquelas que, de alguma forma, matavam um membro daquele grupo criado para controlá-las.

Além disso, não raras vezes, esses responsáveis pelo controle levavam as pragas ou ervas daninhas para ficarem no local determinado pelos Fazendeiros e, inexplicavelmente para eles, aquelas mesmas “figuras” reapareciam na lavoura; às vezes, isso se repetia por inúmeras vezes.

Aquele pequeno grupo a tudo assistia perplexo com a ineficiência do resultado do seu trabalho.

Por que será que esse trabalho não consegue controlar as pragas e as ervas daninhas? Por que uma é retirada e logo surge outra no mesmo lugar?

E aquele grupo se perguntava: “Como pode isso? Eu não posso capinar as ervas daninhas e nem usar defensivos contra as pragas, mesmo as mais perigosas, ainda que continuem causando imensos prejuízos à lavoura”.

Será que o conjunto de regras estabelecido pelos Fazendeiros está adequado?

Como podem os Fazendeiros manterem indistintamente todas as pragas e ervas daninhas na Fazenda, mesmo as mais perigosas, se isso tem um alto custo?

Enquanto isso as plantas sadias, os animais e as ferramentas continuavam sofrendo: algumas eram asfixiadas ou sugadas até a morte; outras, adoentadas pela ação maléfica daquela horda, não conseguiam produzir, pois os seus nutrientes eram surrupiados por aquelas plantas ou animais que apenas danos levavam para a lavoura.

Depois de algum tempo e muito sofrimento, muitos membros da lavoura concluíram: “As regras estabelecidas pelos Fazendeiros são ineficazes, pois nessa Fazenda há muitas pragas e ervas daninhas; a simples retirada da lavoura por um breve período não é uma medida que faça com que elas diminuam e, assim sendo, elas proliferam incontrolavelmente.

Onde essa Fazenda vai parar?”

Apesar de todos os indícios de que é preciso tratar as pragas e as ervas daninhas com mais rigor, os Fazendeiros permanecem insensíveis aos apelos dos animais, ferramentas e das plantas que tantas riquezas geram para a Fazenda.

Essa inércia dos Fazendeiros começa produzir questionamentos na lavoura acerca da real necessidade da existência deles; se realmente é nobre a missão de produzir códigos para proteger a lavoura, uma vez que esses códigos não impõem sanções à altura da periculosidade das pragas e das ervas daninhas.

Até quando os animais, as ferramentas e as plantas sadias e produtivas da lavoura não reagirão a essa situação e exigirão dos Fazendeiros novos códigos com sanções mais rigorosas e adequadas ao mal que cada tipo de praga ou erva daninha pratique contra os indivíduos da lavoura?

Essa é uma reflexão que precisa ser assimilada não apenas por parte da lavoura, mas por toda ela.

Dejanir Braz Pereira da Silva, Coronel Reformado da Polícia Militar do Espírito Santo e uma dessas plantas, animais ou ferramentas da lavoura da Fazenda.